PASQUALE CIPRO NETO
"Se persistirem os sintomas..."
"Se persistirem os sintomas..."
No fim do "reclame" (que saudade dos tempos dos "reclames"!), aparece, em letras bem grandinhas... |
UFA! FINALMENTE alguém do meio publicitário ou do farmacêutico percebeu a pouca funcionalidade do uso das expressões "A persistirem os sintomas..."/ "Ao persistirem os sintomas...", ainda presentes em quase todas as peças publicitárias de medicamentos.
Como o caro leitor deve saber, essas peças (por lei?) terminam com as conhecidas e já citadas advertências, completadas com estes dizeres: "...o médico deverá ser consultado". Confesso que não entendo bem por que "o médico" e não "um médico", mas isso é outra história. Fiquemos com a bendita questão da opção entre "A persistirem" e "Ao persistirem", que, por sinal, já comentei neste espaço, há muito tempo.
O fato é que o tempo passa, e as mensagens dos leitores sobre essa questão não terminam. "Qual é a forma correta?", perguntam, como se só uma das duas fosse correta. Vamos lá: as duas são possíveis, corretas etc., o que não significa que são equivalentes. Não são. Em "A persistirem os sintomas...", temos a preposição "a" introduzindo uma oração que expressa ideia de condição, ou seja, uma oração condicional, equivalente a "Se persistirem os sintomas", "Caso persistam os sintomas".
Esse emprego da preposição "a" (introduzindo ideia de condição) é comum nos textos clássicos, jurídicos, filosóficos e mesmo em construções comuns no dia a dia, como esta: "A julgar pelo que vi ontem, não há boas perspectivas de solução do problema" ("A julgar pelo que vi ontem" equivale a algo como "Se julgar/caso julgue pelo que vi...").
Em dicionários brasileiros e portugueses, encontram-se exemplos como estes: "A ser essa a única solução, é melhor desistir" ("A ser essa a única solução" = "Se for/Caso seja essa a única solução"); "A caminharmos neste ritmo, não chegaremos a tempo" ("A caminharmos neste ritmo" = "Se caminharmos/Caso caminhemos neste ritmo"). Deve-se notar a alteração na flexão do verbo quando se troca "se" por caso".
E a forma "Ao persistirem os sintomas"? A coisa muda. O infinitivo introduzido por "ao" constitui oração de valor essencialmente temporal ("Ao persistirem os sintomas" = "Quando persistirem os sintomas").
Esse uso de "ao" com infinitivo é mais do que comum, como se vê em "Ao sair, apague a luz" ("Ao sair" = "Quando sair") ou em "Ao beijá-la, sinto os pés saírem do chão" ("Ao beijá-la" = "Quando a beijo").
No caso da publicidade dos medicamentos, faz muito mais sentido pensar em "A persistirem os sintomas", ou seja, na indicação da ideia de condição ("Se persistirem/Caso persistam os sintomas"). Mas, cá entre nós, melhor mesmo é fazer o que (ufa!) fez uma agência de propaganda (que, infelizmente, não posso nomear -só vi a peça publicitária uma vez, ou melhor, menos de meia vez).
No fim do "reclame" (que saudade dos tempos dos "reclames"!), aparece na tela, em letras bem grandinhas, a frase "Se persistirem os sintomas...", confirmada pelo locutor.
Convém aproveitar a ocasião para lembrar que, quando se usa a preposição "a", emprega-se o verbo no infinitivo, o que explica a obrigatoriedade da opção por "ser" em "A ser essa a única solução, é melhor desistir". A troca da preposição "a" pela conjunção "se" implica o uso de uma forma verbal finita -do indicativo ou do subjuntivo, portanto ("Se for essa a única solução/Se é essa a única solução, é melhor..."). É isso.
inculta@uol.com.br
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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 01 de abril de 2010.
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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 01 de abril de 2010.
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