Idioma
A multiplicação das palavras
Os vocábulos estrangeiros se incorporam ao português numa velocidade assombrosa, enriquecem a língua e levantam a discussão sobre adaptar ou não sua grafia
Nataly Costa
Thiago Prado Neri/Tv Globo![]() |
Letra por letra Daniel (primeiro à esq. no trio ao centro da foto), no Caldeirão do Huck: traído pela palavra kirsch, recente no português |
Para se ter uma ideia da agilidade desse processo de transformação da língua, os editores dos dicionários Aurélio, Houaiss e Larousse usam um programa de computador desenvolvido para pesquisar continuamente palavras estrangeiras que aparecem nos jornais, revistas e sites brasileiros. Quando o uso de uma palavra se torna frequente, é sinal de que pode ser a hora de dicionarizá-la. A ideia de que é preciso aportuguesar os vocábulos estrangeiros, segundo os especialistas, está ultrapassada. O que determina o aportuguesamento ou não de palavras estrangeiras é a forma como a população se familiariza com elas. De acordo com a lexicógrafa Thereza Pozzoli, da equipe do dicionário Larousse, alguns vocábulos, graças à semelhança com a morfologia e a fonética brasileiras, são adaptados para o idioma com naturalidade. É o caso de blecaute, ateliê, quiosque e surfe. Outros termos mantêm a forma do idioma original, como marketing, design e réveillon. Há palavras aportuguesadas que figuram no dicionário, mas não vingam no dia a dia, como esqueite (skate) e leiaute (layout). "Nem sempre optamos pelo aportuguesamento, pois o uso do vocábulo em sua língua original se mostra preponderante", explica Renata Menezes, da equipe do Aurélio.
A multiplicação das palavras estrangeiras no português pode apavorar os puristas do idioma, como o deputado Aldo Rebelo, cuja luta para proibir os estrangeirismos no país já se tornou folclórica. Para estes, o exemplo a ser seguido é o de Portugal, que tenta traduzir tudo para a língua nativa – o mouse do computador, por exemplo, é chamado de rato. Os grandes linguistas brasileiros, contudo, concordam que os termos estrangeiros servem para enriquecer o idioma, não para prejudicá-lo. "Se o estrangeirismo fosse nocivo, a própria língua trataria de expulsá-lo", pondera o gramático Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras.
A história mostra que é da natureza dos idiomas incorporar vocábulos estrangeiros e que, nesse processo, eles evoluem. Na Idade Média, a língua portuguesa contava com apenas 15 000 palavras. Hoje, são mais de 400 000, muitas delas importadas, através dos séculos, do árabe, do italiano, do francês e do inglês. O linguista americano Noah Webster (1758-1843), considerado "o pai da educação" em seu país, costumava lembrar que o idioma vive e pulsa no dia a dia da população, e não nos gabinetes dos intelectuais. Dizia ele: "A língua não é uma construção abstrata dos sábios, ou dos dicionaristas. Ela nasce do trabalho, das necessidades, das relações humanas, das alegrias, afeições e experiências de muitas gerações". O termo alemão kirsch, que derrubou o estudante Daniel Coutinho na TV, poderá um dia soar natural para seus filhos.
Língua viva e veloz
No passado, os dicionaristas esperavam dez anos para verificar se uma palavra estrangeira fora adotada plenamente no país. Hoje, com a rapidez com que os estrangeirismos são incorporados ao português, esse prazo é de um ou dois anos. A seguir, vocábulos que serão incluídos na próxima edição do Dicionário Aurélio*
Tecnologia
Smartphone – Celular com alguns recursos de computador
Pop-up – Janela que se abre em página da internet para propaganda
MP3 – Forma de compactação de arquivos de áudio
Antispam – Programa que previne publicidade eletrônica não solicitada
Bluetooth – Tecnologia para conectar dispositivos sem o uso de cabo
Gastronomia
Blanquette– Guisado de carne branca
Chutney – Tipo de geleia de origem indiana
Muffin – Pão fofo doce assado em pequenas fôrmas
Sashimi – Prato da culinária japonesa que consiste em fatias de peixe cru
Bock – Tipo de cerveja adocicada e de teor alcoólico forte
Pierogi – Prato da culinária polonesa que consiste em pastéis cozidos
com diversos tipos de recheio
Comportamento/Esportes
Bullying – Violência psicológica ou física praticada repetidamente
Antidoping – Tipo de exame que busca identificar substâncias de uso proibido no sangue dos atletas
Barwoman – Mulher que prepara drinques profissionalmente
Off-road – Diz-se de veículo próprio para trafegar em terrenos acidentados
Brake-light – Luz de freio dos veículos
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Publicado na Revista Veja de 21 de abril de 2010, edição 2161
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