sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Organização das palavras na frase

PASQUALE CIPRO NETO

Lambanças de títulos e textos jornalísticos


O sujeito tem pelo menos duas namoradas, uma delas grávida, e durante uma prece mata a sogra, digo, uma das sogras

DIA DESSES, um site publicou esta legenda (talvez seja bom explicar que, nas artes gráficas e no jornalismo, "legenda" é o texto que comenta, explica ou intitula uma imagem): "Companheiros em 2010, Massa encontra Alonso na Espanha". A legenda estava sob uma foto dos dois pilotos da Ferrari.
O prezado leitor já percebeu onde está o nó da frase? A quem se refere o termo "companheiros"? Aos dois pilotos, é óbvio. Mas os nomes dos pilotos aparecem coordenados, ou seja, exercem mesma função na estrutura do texto? Não e não. "Massa" é sujeito de "encontra"; "Alonso" é complemento dessa forma verbal.
O emprego de "companheiros" talvez decorra de um processo mental ultrarrápido: o redator pensa nos dois pilotos, que em 2010 serão companheiros na Ferrari, e já dispara o plural, mesmo que estruturalmente esse plural não se sustente. Qual seria a construção pertinente? Basta optar pelo sujeito composto: "Companheiros em 2010, Massa e Alonso se encontram na Espanha".
Para que se mantivesse o passo "Massa encontra Alonso", seria necessário alterar a estrutura. Poder-se-ia optar, por exemplo, por algo como "Na Espanha, Massa encontra Alonso, seu companheiro em 2010".
Vamos a outro título mal redigido e confuso, também publicado num site: "Mãe é presa por deixar filhos sozinhos em Jundiaí". Qual seria o papel da expressão "em Jundiaí"?
Indicar o lugar em que a mãe relapsa foi presa ou o lugar em que os pobres pimpolhos foram abandonados pela mãe desnaturada? Sabe Deus!
Pois bem. Quando se lê a notícia, descobre-se que... Melhor transcrever o trecho inicial: "Uma mulher de 22 anos foi presa em flagrante hoje, em Jundiaí (SP), depois de sair de madrugada e deixar os filhos sozinhos em casa". Pois é, caro leitor. Para que isso ficasse claro (no título), bastaria ter posto "em Jundiaí" no início do período: "Em Jundiaí, mãe é presa por deixar filhos sozinhos".
Quer mais? Opa! O que não falta é exemplo. Vamos a mais um, também provindo de um site. Prepare-se, caro leitor, porque a coisa é braba. Lá vai: "Britânico confessa assassinato da sogra durante oração". Pode? Estamos diante de um rito satânico. Está certo que muita gente prefere o Diabo à sogra, mas matar a pobre durante uma oração... Haja espírito maléfico, hediondo, cruel!
Mas vamos à notícia: "Um homem britânico foi condenado após ter confessado o assassinato da mãe de sua namorada grávida durante uma prece captada por um grampo montado em seu carro pela polícia". Xi! Cruz-credo! A coisa é ainda pior! O sujeito tem pelo menos duas namoradas, uma das quais está grávida, e mata a sogra, digo, uma das sogras (a mãe da namorada grávida) durante uma prece (ao Demo, certamente).
Bem, vamos tentar melhorar a redação do título? Que tal deixar claro o local do assassinato, digo, o momento da confissão do crime? Esse título perderia seu tom ultralambão com a simples inversão da expressão "durante oração": "Durante oração, britânico confessa assassinato da sogra". Simples, não? Então por que diabos de motivos o pessoal das Redações não enxerga essas coisas?
O texto também tem problemas. A sequência apresentada não corresponde aos fatos. Ninguém é condenado após confessar, ou será que a polícia montou o grampo, o sujeito caiu na arapuca, isto é, deu com a língua nos dentes e, flagrado, foi imediatamente julgado e condenado? Os conectivos ("após", no caso) não podem estabelecer nexos falsos. O que há nesse caso é uma relação causal, ou seja, o homem foi condenado, sim, mas não após ter confessado (nem por ter confessado). Ele foi condenado pelo assassinato (que confessou durante uma prece). Precisão é precisão. É isso.
inculta@uol.com.br

Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo do dia 26 de novembro de 2007.