terça-feira, 23 de setembro de 2008

Iotti e a pontuação


O Iotti já aprendeu a importância da pontuação! E você?

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Charge publicada no jornal Zero Hora, em 23 de setembro de 2008.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Frases ambíguas

"Vidas em implantação" - Pasquale Cipro Neto

A CONCESSIONÁRIA que administra a rodovia Presidente Dutra anuncia que brevemente (ufa!!!) haverá radares ao longo da autopista. Foi a querida Teresa Garcia, editora-chefe do "Jornal Hoje", da TV Globo, que me deu a notícia, com a fiel transcrição desta preciosidade, presente nos cartazes afixados pela NovaDutra em vários pontos da estrada: "Radares que salvam vidas em implantação".
Brinquei com Teresa, dizendo-lhe que a frase poderia decorrer de um ato falho da concessionária, talvez sabedora de que, quando se entra nessa (e em quase todas as "rodovias" brasileiras), a vida passa a estar por um fio. Seja pela precariedade das "estradas", seja pelo comportamento dos nossos irresponsáveis motoristas, estar numa "autopista" brasuca é ter a vida em constante "implantação" -é pura roleta-russa.
A esta altura o leitor certamente já captou o xis do problema: estamos de volta à "alegre fábrica" de frases estruturalmente ambíguas ou de duplo sentido explícito mesmo, sem contar aquelas que não transmitem o sentido desejado. Uma dessas é ouvida a bordo dos nossos aviões de carreira: "Desligue o seu celular mantendo-o desligado durante todo o vôo". De acordo com a frase, o modo de desligar o celular é mantê-lo desligado durante o vôo (!!!???). Que tal a velha conjunção "e"? Vejamos: "Desligue o seu celular e mantenha-o assim/desse modo durante o vôo". Às vezes, uma simples inversão resolve o problema. Em "Ele atropelou um cavalo correndo pela avenida", por exemplo, há uma ambigüidade que pode ser desfeita com a inversão da ordem das orações: "Correndo pela avenida, ele atropelou um cavalo". Em outros casos, embora se limite à estrutura, a ambigüidade deve ser eliminada. Uma frase como "Ele encontrou o gato varrendo a rua" deve ser alterada para "Varrendo a rua, ele encontrou o gato".
E a coisa não pára por aí. Pense nesta frase: "Ela encontrou os filhos vendo televisão". Quem estava vendo televisão? Ela ou os filhos? Se era ela que estava vendo televisão, pode-se entender que os filhos estavam desaparecidos e foram vistos por ela num programa de TV.
Antes que me esqueça, voltemos à frase da NovaDutra. Parece razoável pensar em algo como "Estamos implantando ("instalando" parece melhor, não?) radares, que salvam vidas" (ou "para salvar vidas"). Para ficar mais perto da frase original, uma hipótese viável seria "Radares em instalação, para salvar vidas" (ou, com mais ênfase, "Para salvar vidas, estamos instalando radares").
Há algum tempo, um site publicou esta pérola: "Ex-cirurgião plástico afirma ter sido perseguido por mulher esquartejada...". Nem no mais sombrio dos filmes de terror! O problema está no duplo valor de "esquartejada" (adjetivo e particípio).
Seria mais seguro algo como "Ex-cirurgião afirma que foi/era perseguido por mulher que ele esquartejou".
Se você pensou em algo como "Ex-cirurgião afirma que esquartejou mulher porque ela o perseguia", é bom parar para pensar. Com o emprego do "porque", cria-se uma relação de causa e conseqüência que talvez não corresponda aos fatos ou ao cerne da afirmação do ex-cirurgião.
A conclusão é a de sempre: reler não faz mal a ninguém. Criar certos dispositivos de "defesa" também é bom. Um dos dispositivos pode ser, por exemplo, o disparo automático do alarme em caso de uso de gerúndio, de particípio, do relativo "que", do possessivo "seu"... É isso.

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Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 18 de setembro de 2008.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Restrição e explicação

PASQUALE CIPRO NETO 

Quantas são as feias da festa?


Quando se trata de restrição ou generalização por meio de uma oração iniciada pelo relativo "que", a coisa...

O MAIS RECENTE vestibular da FGV (Fundação Getulio Vargas) apresentou uma questão relativa ao emprego da vírgula antes do pronome relativo "que". A banca pediu aos candidatos que comparassem as seguintes construções, "observando sua pontuação":
"Nesta festa, só beijarei as meninas, que são feias"; "Nesta festa, só beijarei as meninas que são feias".
Em seguida, a banca pedia aos candidatos que assinalassem "a alternativa correta quanto ao sentido dessas frases". Eis as alternativas:
"a) A primeira afirma que todas as meninas da festa são feias -e serão beijadas; b) A primeira afirma que somente as meninas feias serão beijadas; as bonitas não; c) A segunda afirma que todas as meninas da festa são feias -e serão beijadas; d) A segunda afirma que somente as meninas bonitas serão beijadas; as feias não; e) As duas frases afirmam que as meninas bonitas serão beijadas".
A esta altura, o leitor talvez esteja atordoado com tantas exclusões e generalizações (todas serão beijadas; só as bonitas, só as feias...). Peço-lhe um pouco de calma e paciência e, por enquanto, um certo "desprezo" pela seqüência de opções.
Apesar de reproduzirem algo um tanto inverossímil (é pouco provável que alguém diga ou escreva a segunda frase; parece mais natural imaginar que se diga "Só beijarei as meninas feias" ou "Só beijarei as feias"), o fato é que há por trás de tudo isso uma velha conversa: "Quando se restringe, não se virgula; quando se generaliza, virgula-se". Grosso modo, é assim mesmo. Quem lê uma frase como "Trabalharei apenas com as meninas rebeldes", por exemplo, provavelmente entenda de imediato que: a) em determinado grupo algumas meninas são rebeldes e outras são "conformistas"; b) trabalharei só com as rebeldes.
No caso visto, o adjetivo "rebelde" tem papel restritivo, por isso não é separado por vírgula do substantivo que qualifica. Seguindo a mesma linha que norteou a banca da FGV, compare agora estas frases: "Os deputados extenuados deixaram o plenário"; "Os deputados, extenuados, deixaram o plenário".
E então? Que percebe o leitor?
Que foi realizada uma extenuante sessão do Parlamento -durou horas e horas a tal sessão. No primeiro caso (sem as vírgulas), informa-se que deixaram o plenário os deputados extenuados; os que ainda tinham energia permaneceram. No segundo caso (com "extenuados" entre vírgulas), informa-se que todos os deputados de que se falava deixaram o plenário extenuados.
Quando se trata de restrição ou generalização por meio de uma oração iniciada pelo relativo "que", a coisa funciona(ria) do mesmo modo, mas... Mas o fato é que, talvez por exigir conhecimento um tanto específico, o emprego da vírgula antes da oração explicativa (aquela que generaliza) nem sempre é observado. O resultado disso é que muitas vezes se lê algo como "Os jogadores que desconhecem as regras receberão instruções de árbitros da Fifa" no lugar de "Os jogadores, que desconhecem as regras, receberão instruções de...".
A primeira frase informa que só os jogadores que desconhecem as regras receberão as instruções; a segunda informa que todos os jogadores de que se fala desconhecem as regras e receberão as instruções. Sim, já sei: falta a resposta do teste da FGV. Acho que você já sabe, não? Vamos lá: é "a", certo? É isso.

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Publicado na Folha de São Paulo em 04 de setembro de 2008, p. C2