quarta-feira, 6 de agosto de 2008

A vírgula, por Martha Medeiros

A vírgula

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) completou cem anos em abril e aproveitou para lançar uma campanha muito útil a todos os brasileiros, não só aos jornalistas. Ela defende o uso correto da vírgula.

Todas as pessoas alfabetizadas escrevem. Escrevem e-mails, bilhetes, cartões, teses, contratos, receitas, blogs e mais um sem-fim de palavras. Algumas escrevem para si mesmas, e, nesse caso, até dá para perdoar um certo relaxamento, mas a maioria escreve para ser lida por outro alguém, e quem faz isso ambiciona ser compreendido. Então. O uso correto da vírgula é crucial para alcançar esse objetivo.

No entanto, o critério para “uso correto” continua sendo, para muitos, o da respiração. As pessoas escrevem como se estivessem conversando, e se imaginam que fariam uma pausa dramática num determinado momento, pronto: decidem que ali cabe uma vírgula. Entendo. Eu, às vezes, faço a mesma coisa. Por exemplo, deu vontade de não colocar entre vírgulas o “às vezes” que acabei de escrever. Preferiria ter escrito: “Eu às vezes faço a mesma coisa”, porque eu, normalmente, falaria essa frase de forma veloz, e não pausada. Mas a vida não é tão simples. Salvo algumas licenças poéticas, é preciso seguir à risca os mandamentos da vírgula. Não me pergunte quais são, não sei, sempre escrevi por instinto, mas a ABI sabe e resolveu entrar nessa campanha dando exemplos muito práticos, que transcrevo abaixo.

“A vírgula pode ser uma pausa... ou não:

Não, espere.
Não espere.

Ela pode sumir com seu dinheiro:

23,4%
2,34%

Pode ser autoritária:

Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.

Pode criar heróis:

Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.

E vilões:

Esse, Juiz, é corrupto.
Esse Juiz é corrupto.

Ela pode ser a solução:

Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.

A vírgula muda uma opinião:

Não queremos saber.
Não, queremos saber.

A campanha termina dizendo que a vírgula muda tudo. Dou outro exemplo. Dia desses, um moço mandou um e-mail para um programa de rádio que começava assim: “Eu como colono...” O radialista ficou injuriado, que pouca-vergonha era aquela? A vírgula que faltou poderia ter evitado o mico. “Eu, como colono, gostaria de...”. Pois é. Pequeninha, mas salva até reputações.

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Publicado no jornal Zero Hora, em 06 de agosto de 2008, página 3