quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Verbos: particípio

PASQUALE CIPRO NETO

Por falar em particípio...


Algumas gramáticas apresentam orientação diferente da clássica quando elencam os duplos particípios


NA SEMANA PASSADA, para explicar a questão do uso das formas "presidente" e "presidenta", citei a expressão "particípio presente". Afirmei que palavras terminadas em "-nte", como "presidente", "agente", "pedinte" etc., vêm do particípio presente de verbos latinos e traduzem a noção de agente de determinado processo. O presidente, por exemplo, é quem preside, o pedinte é quem pede, o viajante é quem viaja e assim por diante.
Pois a expressão "particípio presente" fez muita gente lembrar-se de outra expressão, o "particípio passado". Um leitor disse o seguinte: "Era por isso que nos diziam que "beijado" é o "particípio passado" de "beijar'? E por que não nos ensinavam o que é o particípio presente?".
Pois é. O particípio passado, hoje chamado simplesmente de particípio, é uma das formas nominais do verbo (gerúndio, infinitivo e particípio). Sabemos que a forma regular do particípio dos verbos terminados em "ar" termina em "ado" (beijado, estudado, transportado etc.) e a dos verbos terminados em "er" ou "ir" termina em "ido" (bebido, esquecido, permitido, dividido, iludido).
Sabemos também que a maior parte dos verbos apresenta apenas o particípio regular (beijado, permitido) e que alguns verbos apresentam apenas o particípio irregular (feito, escrito, aberto). Por fim, sabemos que há verbos que apresentam duplo particípio (salvado/salvo, prendido/preso, extinguido/extinto). E é aí que a roda começa a pegar. Quando usar este ou aquele?
As gramáticas e os dicionários costumam simplificar a questão ao afirmar que, quando o auxiliar é "ter" ou "haver", emprega-se a forma regular do particípio (tinha/havia salvado, tinha/havia extinguido) e que, quando o auxiliar é "ser" ou "estar", emprega-se o particípio irregular (foi/está salvo, foi/está preso, foi/ está extinto).
Até aí, tudo bem. Na verdade, tudo mais ou menos bem. Ninguém será perturbado se seguir essa "regra", mas não se pode negar que o uso já consagrou o emprego de formas irregulares do particípio, como "aceito" e "entregue", com os auxiliares "ter" e "haver" (tinha/havia aceito/entregue). A seguir ao pé da letra a "regra" clássica, obter-se-iam as formas tinha/havia aceitado e tinha/havia entregado.
Algumas gramáticas tentam apresentar orientação diferente da clássica ao elencar os duplos particípios e seus usos. Uma delas é a de Evanildo Bechara. A tarefa é delicada, mas tem o mérito de fugir da obviedade e levar em conta o que efetivamente se usa no idioma.
Uma coisa é clara, porém: partir da ideia (fútil e demagógica) de que vale tudo desemboca no caricato ou esquizofrênico, visto que nenhum dos defensores do "está bom de qualquer jeito" teria peito para escrever algo como "A polícia tinha preso todos os bandidos" ou "O delegado tinha solto os suspeitos".
Um caso que merece destaque é o de formas como "Tinha chego", "Tinha compro", cada vez mais comuns no linguajar de pessoas de pouca escolaridade. De onde vêm essas formas? A explicação parece simples: como a forma irregular dos particípios duplos muitas vezes coincide com a primeira pessoa do singular do presente do indicativo (caso de "trago", "salvo" etc.), o falante, por associação, acaba usando o mesmo processo para chegar a "tinha chego", "tinha compro", que já ouvi muitas vezes e que já foram objeto de perguntas em muitas das minhas palestras Brasil afora.
Que fique claro: formas como "tinha aceito" e "tinha entregue" já frequentam os registros formais ou semiformais, o que não ocorre com "tinha chego", "tinha trago", "tinha compro" ou "tinha falo". É isso.


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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 11 de novembro de 2010.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Para tirar a dúvida

Professor Pasquale fala do assunto do momento: presidente ou presidenta?

PASQUALE CIPRO NETO

A presidente, a presidenta


Em alguns casos, o uso fixa como alternativas formas exclusivamente femininas, em que o "e" dá lugar a um "a"

UFA! ACABOU! Não vou dizer que tivemos a pior campanha da história porque sou velho o bastante para ter vivido outras maravilhas (a de 1989 e as do tempo da mais do que hilariante Lei Falcão, por exemplo). Discurso sobre o nada, chavões, frases feitas e cacoetes linguísticos nunca faltaram na nossa história eleitoral.
Pois bem. A eleição se foi, mas a conversa sobre a terminação da palavra que designa o cargo que Dilma Rousseff ocupará a partir de 1º de janeiro de 2011, não. Perdi a conta das entrevistas que dei a respeito do assunto. Mesmo antes do segundo turno, tive de responder qual seria a forma "correta" para designar a função que Dilma ocupará: ela seria (será) presidente ou presidenta?
O leitor habitual deste espaço sabe bem que me nego terminantemente a reduzir a conversa a algo como "esta sim, aquela não", "está certo, está errado" etc. Posto isso, vamos ao começo da história. Que têm em comum palavras como "pedinte", "agente", "fluente", "gerente", "caminhante", "dirigente" etc.? Não é difícil, é? O ponto em comum é a terminação "-nte", de origem latina. Essa terminação ocorre no particípio presente de verbos portugueses, italianos, espanhóis...
Termos como "presidente", "dirigente", "gerente", entre inúmeros outros, são iguaizinhos nas três línguas, que, é sempre bom lembrar, nasceram do mesmo ventre. E que noção indica a terminação "-nte"? A de "agente": gerente é quem gere, presidente é quem preside, dirigente é quem dirige e assim por diante.
Normalmente essas palavras têm forma fixa, isto é, são iguais para o masculino e para o feminino; o que muda é o artigo (o/a gerente, o/a dirigente, o/a pagante, o/a pedinte). Em alguns (raros) casos, o uso fixa como alternativas as formas exclusivamente femininas, em que o "e" final dá lugar a um "a". Um desses casos é o de "parenta", forma exclusivamente feminina e não obrigatória (pode-se dizer "minha parente" ou "minha parenta", por exemplo). Outro desses casos é justamente o de "presidenta": pode-se dizer "a presidente" ou "a presidenta".
A esta altura alguém talvez já esteja dizendo que, por ser a primeira presidente/a do Brasil, Dilma Rousseff tem o direito de escolher. Sem dúvida nenhuma, ela tem esse e outros direitos (e que não vá além dos direitos que de fato tem, por amor de Deus). Se ela disser que quer ser chamada de "presidenta", que seja feita a sua vontade -por que não?
"Resolvido" esse impasse, peço licença ao caro leitor para aproveitar o mote e trocar dois dedos de prosa sobre casos análogos. Vamos a um deles: o que significa "infante", palavra da mesma família de "infância"? Vamos lá: "infante" é simplesmente "aquele que não fala" (porque ainda não aprendeu a falar). Essa palavra, por sinal, é outra que é igualzinha nos três idiomas neolatinos que já mencionei (italiano, espanhol e português).
Outro caso interessante: o da palavra "fluente". Por que se diz que fulano tem inglês "fluente"? Porque "fluente" (em que também existe a terminação "-nte") é simplesmente "o que flui", ou seja, o que corre como um líquido. Assim como os líquidos fluem, a língua flui da boca de quem se expressa com facilidade.
Mais um? Vamos lá: já vimos que gerente é aquele que gere, certo? E de que verbo é a forma "gere"? Trata-se da terceira pessoa do singular do presente do indicativo de "gerir", sinônimo de "administrar", "gerenciar". Como é mesmo que se conjuga o presente do indicativo de "gerir"? Ei-lo: "eu giro, tu geres, ele/a gere..."; o presente do subjuntivo é "que eu gira, que tu giras, que ele/a gira...". E que ela gira. É isso.


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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 04 de novembro de 2010.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Regulamento

Regulamento da promoção "Um iPad ao alcançar 1.000 seguidores":

1. A promoção é válida até que o perfil @3gbconsulting, no Twitter, atinja a marca de mil seguidores.
2. Concorre somente quem for seguidor do referido perfil.
3. O sorteio será feito em até 24 horas após o perfil registrar a marca de 1.000 (um mil seguidores).
4. Para concorrer, o seguidor terá de ter dado retweet à seguinte mensagem: @3gbconsulting sorteará iPad ao atingir mil seguidores. RT para participar. Quanto mais, mais chance. Regulamento http://tinyurl.com/2eegs57
5. Quanto mais vezes o seguidor retuitar a mensagem, maiores suas chances de concorrer.
6. O iPad sorteado será modelo 3G, com capacidade de 32gb.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Prof. Pasquale

A língua dos títulos


Pode ter ocorrido aí o que chamamos de cruzamento (o redator usou "culpar" com a regência de "atribuir")


O LEITOR HABITUAL deste espaço sabe que volta e meia escrevo duas palavras sobre preciosidades perpetradas pelos meios de comunicação. Esse leitor sabe também que o que menos me importa quando faço esse tipo de análise é a questão do "erro" (um cochilo na concordância, por exemplo, é muito menos importante que uma combinação esdrúxula das palavras ou uma regência forçada, que faz valer a máxima do "título bom é título que cabe").
Posto isso, vamos a uma construção, desencavada do meu arquivo de pérolas. Aliás, há tempos quero comentar o caso -um título publicado neste ano, depois do terremoto no Haiti. Lá vai: "Cônsul do Haiti no Brasil diz que desgraça "é boa" e culpa terremoto à religião". Elaiá! Culpa terremoto à religião? Em que língua? Será que a intenção não era dizer "culpa a religião pelo terremoto" ou "atribui o terremoto à religião"?
Pode ter ocorrido aí o que chamamos de cruzamento (o redator empregou o verbo "culpar" com a regência de "atribuir"). O problema é que não sabemos se o redator fez mesmo esse cruzamento mental ou se, depois de redigir adequadamente (com o verbo "atribuir"), deu-se conta de que a frase não cabia e... E, como "culpa" é menor do que "atribui", "título bom é título que cabe".
Alguns redatores têm verdadeira fissura pela preposição "a". A fissura é tanta que parece que sempre dão um jeito de entortar a frase o mais que podem para que nela caiba um mágico "a", regido sabe Deus por que termo. Salvo engano, nenhum falante de português um belo dia disse algo como "Ele culpou o atraso ao trânsito" ou "O prefeito culpou o alagamento à sujeira nos bueiros". Ou será que disse?
O caro leitor notou também que, quanto ao artigo, os substantivos "terremoto" e "religião" receberam tratamento distinto? Releia o título: "...culpa terremoto à religião". Sabemos que títulos jornalísticos não começam com artigo. No meio da frase, a história muda -cada caso é um caso. Como exemplos, vejamos estes títulos da Folha (edição de terça): "EUA investigam a Universal por remessa ilegal de R$ 420 mi" (capa); "EUA investigam Universal por remessas de..." (página interna); "Justiça invalida provas obtidas pela PF contra filho de Sarney".
Como se vê, o artigo definido é figura "instável"; aparece de acordo com a conveniência etc. O fato é que, quando chega a hora de colocar (ou não) o bendito acento grave (acento indicador de crase)... Que fazer? Bem, o caso é um tanto complexo e merece um texto específico. Por enquanto, chamo a atenção para as minhas reescrituras do título: "...culpa a religião pelo terremoto"; "...atribui o terremoto à religião".
Como se vê, optei pelo artigo antes dos dois substantivos, o que se pode explicar mais ou menos pelo seguinte: o terremoto era mais do que conhecido (acabara de acontecer e tivera imensa repercussão), fato que justifica plenamente a presença do artigo; o termo "religião" é tomado em seu sentido amplo, como conceito único, universal.
Razões (ou não) à parte para o uso (ou não) do artigo definido, o fato é que não parece haver motivo forte o bastante para que o paralelismo tenha ficado de lado, ou seja, para o emprego do artigo apenas antes de um dos substantivos.
Cá entre nós, caro leitor, confesso que o emprego do artigo definido no "titulês" é mesmo um grande mistério. Depois de anos e anos de tratos diretos a essa bola, cheguei à conclusão de que... É tudo um grande mistério. Quer um conselho? Em se tratando do emprego da preposição "a" e dos artigos definidos, não leve os títulos muito a sério. É isso.


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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 26 de agosto de 2010.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Redes sociais

Brasil é 2º país que mais acessa o Twitter

Excluindo locais públicos e smartphones, 20,5% dos computadores brasileiros acessaram a rede social em junho. Esse valor só é inferior à Indonésia. Os dados são da empresa comScore, que também divulgou que o acesso ao site cresceu 109% em um ano, devido à América Latina e à Ásia.

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 12 de agosto de 2010.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Tradução

RUBEM ALVES

Tradutor, traidor


O tradutor tem de ser um dicionário que contenha as palavras conhecidas e as palavras não conhecidas


TRADUZIR É SUBSTITUIR palavras que não se conhecem por palavras conhecidas. Trata-se de uma delicada combinação de ciência e arte. Ciência porque o tradutor, antes de mais nada, tem de ser um dicionário que contenha as palavras conhecidas e as palavras não conhecidas. Caso contrário a tradução não será possível. Para evitar os enganos os linguistas da Universidade de Lagado (aquela das "Viagens de Gulliver") chegaram a propor que as palavras fossem substituídas pelas coisas que elas significam.
Um caso cômico que se encontra no delicioso livro "No País das Sombras Longas". Esse título, em si mesmo, é um teste para seus conhecimentos. Que país é esse em que as sombras são sempre longas? Qual é a condição astronômica para que isso aconteça? Eis aí uma pergunta que deveria cair no Enem... É um livro delicioso de aventuras, em meio a gelos sem fim, ursos, focas, cães, trenós e costumes diferentes, entre eles o anzol para pegar as pulgas que vivem dentro das roupas de couro costuradas sobre o corpo...
Pois minha leitura foi interrompida por essa frase estranha: "Siorakidsok era paralítico da cintura para baixo e tinha ouvidos duros". Ouvidos duros... Não fez nenhum sentido. Até que me vali de um truque: tentei fazer a tradução ao contrário, do português para o inglês. Ouvidos duros, ao contrário: "hard of hearing". O homem era surdo...
Logo na página seguinte essa frase me parou de novo: "A um canto via-se uma grande calha de pedra pela qual todos passavam as suas águas servidas, valiosas para o curtimento de couro..." Suas águas servidas? O que é isso? Usei então o mesmo método de decifração. Traduzi ao contrário: "passavam suas águas servidas", "pass water", que quer dizer fazer xixi...
A tal calha de pedra era um mictório...
Agora, alguns versos do poema de "The Rock", de T.S.Eliot.
"The Eagle soars in the summit of Heaven,
The Hunter with his dogs pursues his circuits.
O perpetual revolution of configured stars.
O perpetual recurrence of determined seasons..."
Esses versos parecem descrever uma cena de caça, a águia voando nas alturas, sobre os campos um caçador com seus cães trilha os seus caminhos. E foi assim que o tradutor traduziu o texto.
"A Águia paira sobre os píncaros dos céus, o Caçador com seus cães rastreia-lhe o trajeto. Ó perene revolução de estrelas consteladas..."
Parece que a tradução está certinha. A não ser pelo fato de que Eliot diz que ele está descrevendo o caminho dos astros no céu: a revolução permanente das estrelas consteladas. É esse fato que dá a chave para a tradução.
"Eagle" não é uma águia: é uma constelação cujo nome em português é "Áquila". O "Hunter" é o nome em inglês para a constelação que é atravessada pelas "Três Marias", o "Órion". E os cães não são cachorros de caça. São as constelações ao lado do Órion, o Cão Menor e o Cão Maior, na qual se encontra o Sirius, a estrela mais brilhante do céu.
A tradução certa, então, seria "A Áquila paira sobre os píncaros dos céus, o Órion com seus cães rastreia-lhe o trajeto..." Assim saímos da companhia do caçador, da águia e dos cães e somos devolvidos às estrelas...

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Publicado no jornal Folha de S.Paulo em 10 de agosto de 2010.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Masculino e Feminino

Do site do professor Cláudio Moreno (http://wp.clicrbs.com.br/sualingua/)


Sexismo na linguagem

Uma leitora ficou inconformada com a manchete que encontrou em um grande jornal paulista: “Fulana de Tal foi o quinto juiz suspenso este mês pela Comissão de Arbitragem”. Segundo ela, o jornal demonstrou uma indisfarçável atitude machista ao empregar juiz em vez do consagrado feminino juíza. “O senhor não concorda que a gramática do Português tem um viés claramente sexista? Na escola eu nunca me conformei com a regra que nos obriga a dizer que “o menino, sua mãe, sua tia e suas três irmãs foram convidadospara o jantar” — em que um simples vocábulo masculino tem muito mais força gramatical que todos os vocábulos femininos reunidos! Qual o problema de usar convidadas? Por acaso o menino, com isso, sofreria algum tipo de humilhação? E alguém se preocupa com a humilhação das mulheres, neste caso? Em pleno séc. XXI, não deveríamos eliminar de nosso idioma esses resquícios patriarcais, contribuindo assim para derrotar a ideologia de desvalorização da mulher?”.

Minha cara leitora, não me leves a mal, mas vou discordar integralmente do que dizes com todo o respeito. Primeiro, nossa gramática não tem o “viés” (palavrinha da moda…) sexista que lhe atribuis; segundo, é impossível mudar essas regras; terceiro, mudanças introduzidas na linguagem não têm o poder de alterar a realidade objetiva; quarto e último, o jornal estava corretíssimo ao usar juiz, e nãojuíza. Vamos por partes. Em primeiro lugar, essa “supremacia” do masculino que nos leva a usarconvidados, e não convidadas, na tua frase (e que faz o dicionário registrar os substantivos no masculino singular aluno, lobo, prefeito) essa supremacia, repito, é ilusão. Mattoso Câmara Jr. fez, nos anos 60, a descrição definitiva do sistema de gênero e número de nossos substantivos e adjetivos: o plural é marcado por S, enquanto o singular se assinala pela ausência desse S; a marca do feminino é o A, enquanto o masculino se assinala pela ausência desse A. Sabemos que aluna,mestra e professora são femininos porque ali está a marca; inversamente, sabemos que aluno,mestre e professor são masculinos porque ali não está a marca. Por isso, quando quisermos sergenéricos, podemos usar o singular, masculino (ou seja, o número e o gênero não-marcados): “Obrasileiro trabalha mais do que o inglês” (entenda-se: “todos”) e por esse mesmo motivo o dicionário assim registra os substantivos. Paradoxalmente, o gênero que exclui é o feminino: se dissermos que o aumento vai ser estendido aos aposentados, homens e mulheres estão incluídos; se for, porém, estendido às aposentadas, os homens estão fora. Se o jornal escrevesse que “Fulana de Tal foi a quinta juíza afastada do cargo”, estaria afirmando que, além dela, quatro outras juízastinham sido afastadas. Como esse não foi o caso - os quatro suspensos antes dela eram homens -, o jornal teve de usar juiz, que engloba o masculino e o feminino.

As mulheres não devem sentir-se humilhadas por isso; é assim que funciona o nosso idioma. Por que afirmo que essas regras não podem ser mudadas por uma decisão política ou ideológica? Porque, diferentemente das leis que regem um país, das regras do futebol, da convenção de nosso condomínio ou do nosso sistema de acentuação e de ortografia que são regras de superestrutura, criadas por nós e, ipso facto, modificáveis por nós , as regras morfológicas e sintáticas do Português estão no nível estrutural, muito mais profundo, evoluindo ao longo dos séculos num ritmo e numa direção sobre os quais não temos o menor controle.

Por fim, estimada leitora, aconselho-te a abandonar essa esperança de que seja possível mudar a realidade apenas pela introdução de alterações na linguagem. Esta crença ingênua (e onipotente) esteve muito em voga nos anos 70, dando origem, inclusive, ao equivocado movimento dopoliticamente correto. Muitas feministas pós-Woodstock acreditavam que podiam resgatar (que verbozinho enjoativo!) a dignidade da mulher forçando na linguagem a visibilidade do gênero feminino. Se o vocábulo tinha dois gêneros, os dois deveriam aparecer na frase. Até bem pouco tempo, uma ONG brasileira fazia questão de escrever “os eleitores e as eleitoras votaram”, “os participantes e as participantes receberão”… Felizmente esta tendência está agonizante, e qualquer pessoa culta, quando escreve “Para o bem de seus filhos, os brasileiros deveriam escolher melhor os candidatos em que votam”, sabe que está dizendo “Para o bem de seus filhos (não importa o gênero), os brasileiros (não importa o gênero) deveriam escolher melhor os candidatos (não importa o gênero) em que votam”. Agora, imagina só se eu vou ter a coragem de escrever “Para o bem de seus filhos e de suas filhas, os brasileiros e as brasileiras deveriam escolher melhor os candidatos e as candidatas em que votam”. Que espanto sentiriam os meus leitores e as minhas leitoras!

[2ª parte]

Na coluna anterior, procurei demonstrar que não há nenhuma discriminação sexista nas regras de concordância nominal de nosso idioma, ao contrário do que apregoam certos grupos que lutam pelo reconhecimento dos direitos da mulher. Repito: uma expressão como meus amigos sempre terá dois valores um, mais restrito, que se refere apenas aos amigos homens; outro, mais genérico, que funciona como uma espécie de neutro, designando tanto os amigos masculinos quanto os femininos. Por que isso? Porque o masculino é o gênero não-marcado, inclusivo, enquanto o feminino é um gênero naturalmente excludente; ao falar de minhas amigas, falo das mulheres, e apenas delas. Não é, pois, uma mera atitude que possamos mudar de acordo com nossa vontade; trata-se, isso sim, da maneira como a língua se estruturou ao longo de sua formação, e não vai ser alterada pela decisão de um grupo, por mais numeroso que seja.

Ora, como isso contraria frontalmente algumas palavras de ordem que ainda são levadas a sério em nosso meio, diversos leitores escreveram para discordar do que afirmei. Dois deles tentaram ao menos entabular uma discussão teórica sobre o assunto, honestamente interessados em me convencer do seu ponto de vista; eu os respeito por isso, embora seus argumentos fossem mais emocionais e políticos do que lingüísticos. Os outros descambaram para o ataque pessoal, dizendo de mim o que Maomé não disse do toucinho machista, retrógrado e machista retrógrado foi o mínimo com que mimosearam este seu criado. A estes já vou avisando que aqui essa tática não pega; não tenho medo de rótulos, e não vou deixar que o conhecimento científico recue diante de patrulhadores que elevam o tom de voz para esconder a falta de estudo.

O principal defeito de seu raciocínio é confundir (1) a relação masculino-feminino do sistema morfológico do Português, que é imutável, com (2) a recusa que certos setores da sociedade ainda têm de usar os femininos de cargos e funções esta sim, uma atitude censurável e que pode (e deve) ser reformada em pouco tempo. No primeiro caso, o uso do masculino como forma abrangenteé indispensável para o funcionamento de uma língua como a nossa, em que o artigo, o numeral, opronome, o adjetivo e o particípio concordam em gênero com o substantivo que acompanham. Se a cada masculino acrescentássemos a forma feminina correspondente, deixaríamos de falar o Português e passaríamos a nos comunicar numa algaravia repleta de ecos intermináveis. Asseguro aos defensores da “inclusão lingüística” que uma frase do tipo “os dez cantores premiados serão reunidos no auditório, onde os admiradores poderão fotografá-los” fará muitíssimo menos dano que algo impronunciável como “os cantores premiados e as cantoras premiadas, num total de dez, serão reunidos e reunidas no auditório, onde os admiradores e as admiradoras poderão fotografar a eles e a elas“, frase tão repetitiva e prolixa que lá pela metade já esquecemos do que ela está falando.

Coisa bem diferente é a forte resistência que ainda existe em usar a flexão feminina naqueles cargos e postos que, durante séculos, foram ocupados exclusivamente por homens. Quem acompanhou a ascensão política e profissional da mulher nos últimos trinta anos viu a lentidão com que a mídia foi adotando formas femininas que hoje se tornaram indispensáveis: primeira-ministra, senadora,governadora, deputada, prefeita, vereadora, juíza, promotora, entre tantas. O mecanismo da língua prevê esses femininos, mas seu emprego era praticamente nulo devido ao escasso número de mulheres que conseguiam vencer as limitações que lhes eram impostas. Aqui o problema é realmente de natureza ideológica e pode ser solucionado por uma mudança de atitude. O ingênuo e bondoso Exército da Salvação, por exemplo, há muito utiliza os femininos soldada, sargenta, capitã,coronela e generala, que as Forças Armadas ainda relutam em adotar por enquanto. O Francês, quanto a isso, é surpreendemente mais rígido, como denuncia Marianne Yaguello, e lá os movimentos feministas enfrentam um osso duro de roer: apesar de existir a flexão feminina, grande parte das profissões de prestígio ainda são utilizadas exclusivamente no masculino: “Mme. X est chirurgien” (”cirurgião”), “Il est amoureux de son chirurgien” (”ele está apaixonado por seu cirurgião” - mesmo que se trate de uma mulher!). Como se pode ver, é a língua que sofre a influência da evolução social (dentro, é claro, dos limites fixados por sua estrutura) e não o contrário, como querem. Ela não pode preceder e forçar a evolução das mentalidades.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Pra que correr riscos?

Da coluna "Sem intervalo", do jornal O Estado de S. Paulo:

"Duas coisinhas chamaram a atenção do mercado no plano comercial da Record dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Cingapura: o valor da cota de patrocínio nacional, R$ 9,8 milhões, e alguns erros de português."


Se eles fossem clientes da 3GB Consulting, não teriam pago esse mico em um dos maiores jornais do País. O custo da imagem arranhada é infinitamente menor que o custo de nossos pacotes, que garantem excelência na comunicação de sua empresa. E depois de arranhar a imagem da sua empresa, ninguém garante que você vá consertar a má impressão deixada...

Pra que correr o risco de dar um vexame desses perante seus clientes?

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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

ABC da Língua Culta

Lançado faz pouco tempo o essencial "ABC da Língua Culta", de Celso Luft. Vale muito a pena ter para consulta!

Segue resenha:

"Abc da língua culta" é uma obra explicativa de questões de português. Apresenta casos de sintaxe (colocação, regência, concordância), morfologia, fonética, neologismos, estrangeirismos, problemas de uso, diferenças entre sinônimos, variações entre Brasil e Portugal, registrados e comentados. Trata-se, de um dicionário enciclopédico centrado em questões que envolvem o uso correto da língua escrita. Assim, em lugar de apenas termos isolados darem entrada aos verbetes, encontra-se, por exemplo, o par 'ao encontro de / de encontro a'. Quando se usa uma e quando a outra expressão? E quando é correto usar aonde e quando onde? Ao mesmo tempo que ou ao mesmo tempo em que? À vontade ou à-vontade? Além de expressões assemelhadas na forma, mas distintas no significado, o dicionário contempla outros tipos de entradas, como termos literários, variações de grafia como assobio / assovio, articulações de palavras (por exemplo, o superlativo de atroz), e ainda sobreposições semânticas como avestruz / ema, estrangeirismos, usos raros, em ordem alfabética e na forma de verbetes, contemplando morfologia, fonética, sintaxe, estilística e usos.

Usando a língua

PASQUALE CIPRO NETO

"Consiga sucesso com as mulheres..."


Na publicidade, às vezes as palavras não significam ou não precisam significar coisa alguma


DEPOIS DE 29 dias na África do Sul, cobrindo a Copa para a Folha, e de pouco mais de duas semanas em férias, cá estou, de volta à coluna.
É claro que nesse período não me "ausentei" do mundo, muito menos da leitura de sites, jornais etc., o que significa que, lamentavelmente, não deixei de ver/ler pérolas e pérolas. Uma delas acaba de chegar ao e-mail da coluna. Aliás, é o que dá ter e-mail público: a quantidade de bobagens que chegam é inacreditável.
E qual é a tal pérola da vez? Vamos lá, começando pelo "assunto" do e-mail: "Consiga um sucesso incrível com as mulheres!!!". A fórmula? Vem logo na cabeça da mensagem: "Conquiste usando feromônios!!" (interessante notar que -sabe Deus por quê- agora há um ponto de exclamação a menos...).
E o que serão os benditos "feromônios"? Antes, vamos ao "subtítulo" da mensagem: "Imagine um produto afrodisíaco natural, para atrair mulheres". Peço ainda um minutinho, para mais um "subtítulo" (que, por aparecer no meio do texto, na linguagem jornalística chamamos de "intertítulo"): "Aumente o seu poder de sedução com as mulheres!" (agora entendi por que no segundo subtítulo há um ponto de exclamação a menos; só não entendi por que não há o sinal em "Imagine um produto...").
O prezado leitor notou a sequência de verbos ("consiga", "conquiste", "imagine", "aumente") conjugados no modo imperativo afirmativo? Bem, como se diz nas receitas, separe. Vamos falar disso já, já.
Já sei, já sei. Você quer saber o que vem a ser o tal do feromônio, não? Recorramos ao "Houaiss": "Substância biologicamente muito ativa, secretada especialmente por insetos e mamíferos, com funções de atração sexual, demarcação de trilhas ou comunicação entre indivíduos". O dicionário "Houaiss" diz ainda que há a forma variante "ferormônio".
A esta altura, já me sinto (como sempre) um belo ignorante: se o tal feromônio é secretado por insetos e mamíferos, e nós somos mamíferos... Ou os mamíferos que secretam essa substância são só os "irracionais"? Uma passagem da mensagem talvez explique (ou complique) de vez: "Os feromônios! Fragrância: toque de raízes selvagens". Que tal?
O fato é que, na linguagem publicitária, muitas vezes as palavras não significam o que significam ou não precisam significar coisa alguma. Quando o termo é técnico ou muito específico (caso de "feromônio"), então, o prato está feito.
Mas deixemos isso para lá e fixemo-nos agora na sequência de verbos no modo imperativo, que, como se sabe, é o modo da ordem, do pedido, do apelo, da súplica. A primeira dessas flexões imperativas é "consiga" ("Consiga um sucesso incrível com as mulheres!!!"). Não lhe parece no mínimo inquietante a ideia de alguém mandar alguém conseguir alguma coisa, sobretudo quando essa coisa é o sucesso com as mulheres, que virá com o simples uso dos tais feromônios, ou seja, que não exigirá esforço algum além do uso das tais substâncias ativas?
Pois é, caro leitor, o truque é velho. Consiste em convencer o possível cliente a comprar determinado produto, dando-lhe "ordens" que não parecem ordens ou missões que serão facilmente cumpridas, desde que se usem os tais miraculosos produtos. A frase final do texto não deixa dúvida: "As mulheres notarão sua presença onde quer que esteja".
Não foi por acaso que o redator empregou "notarão" (e não "vão notar"), assim como não foi por acaso que, na primorosa "Um Índio", Caetano Veloso usou "descerá", "virá", "pousará" etc. (em vez de "vai descer", "vai vir", "vai pousar"): a forma sintética do futuro do presente do indicativo é muito mais contundente do que a composta. A língua e seus poderes... É isso.

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 05 de agosto de 2010.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Triste constatação

Português é a matéria com pior resultado no Enem

20 de julho de 2010 | 9h 55

AE - Agência Estado

O desempenho na área de Linguagens e Códigos, que mede as habilidades dos jovens em língua portuguesa e interpretação de textos, puxou para baixo a média final das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2009. Essa parte do exame foi a única em que nenhum colégio no País atingiu média de 700 pontos, numa escala de 0 a 1.000. Entre as escolas da capital, o melhor desempenho ficou com o Colégio Vértice, com 686,70 pontos.

Nas outras grandes áreas do conhecimento, a maior média dos colégios ficou entre 700 e 800 pontos. Com a maior média geral do País, o Vértice encabeça as notas das escolas da capital em Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Em redação, a melhor média foi do Colégio Batista.

A pontuação máxima abaixo de 700 em linguagens é considerada "preocupante" e um reflexo da chamada "geração Y", educada com a ajuda da internet. Para gestores de escolas, com os jovens cada vez mais conectados em redes sociais, a linguagem desenvolvida no mundo virtual se distanciou da língua culta, empobrecendo o vocabulário e prejudicando a capacidade de interpretar textos mais longos.

"Está tudo muito abreviado, curto, e eles deixam de produzir textos. É tudo copiado: control-C, control-V", diz Maria Martinez, diretora pedagógica do Batista Brasileiro. "Não aceitamos trabalhos copiados da internet. As próprias escolas, às vezes, entregam material pronto para o aluno, que só tem o trabalho de responder, não de elaborar o texto". Diretor do Vértice, Adílson Garcia reconhece que há dificuldade do jovem em adquirir hábitos de leitura.

As informações são do Jornal da Tarde.

Dica de site

Há um site que é simplesmente excelente para quem tem interesse em se aprimorar no conhecimento da língua portuguesa. Chama-se Por trás das letras. Lá se encontram dicas, regras de gramática e linguística, artigos, dicionários, curiosidades.... tem até uma quantidade incrível de exercícios, para você treinar seus conhecimentos!

É um dos melhores - se não o melhor - sites do gênero!

Não deixem de acessá-lo: http://tinyurl.com/23226cn

terça-feira, 15 de junho de 2010

Dicionário analógico da língua portuguesa


Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo - Nos dicionários convencionais, consulta-se uma palavra em busca de sua definição. O dicionário analógico oferece o caminho inverso: o consulente parte de um conceito (ou de uma vaga ideia) para chegar às palavras. Os verbetes oferecem verdadeiras nuvens de palavras que vão puxando uma a outra: a partir de "conselho", por exemplo, chega-se aos triviais "parecer, assessoria, consulta" e também aos mais remotos "parênese" e "temperilha". O leitor precisa adquirir um certo traquejo para manejar o dicionário. Mas, uma vez acostumado, descobrirá um instrumento indispensável, especialmente na hora de redigir um texto. O dicionário analógico – ou Thesaurus – é de uso corrente nos países de língua inglesa, popularizado desde o século XIX pelo lexicógrafo Peter Mark Roget. No Brasil, ao contrário, o dicionário de Francisco Azevedo (1875-1942), o único em sua categoria, foi publicado postumamente em 1950 – e só agora ganha uma segunda edição atualizada. Espera-se que não desapareça mais do mercado.


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Os dicionários de meu pai
FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA

Surpreendido pela nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, sinto como se revirassem meus baús e espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia

Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido. Era como se ele, cansado, me passasse um bastão que de alguma forma eu deveria levar adiante. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar das horas em que eu o folheava à toa; o amor aos dicionários, para o sérvio Milorad Pavic, autor de romances-enciclopédias, é um traço infantil no caráter de um homem adulto.

Palavra puxa palavra, e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar nos meus dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecília Meireles, o mesmo dicionário em encadernação de percalina. Por dentro estava em boas condições, apesar de algumas manchas amareladas, e de trazer na folha de rosto a palavra anauê, escrita a caneta-tinteiro.

Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares, e ainda arrematei o último à venda na Amazon.com antes que algum aventureiro o fizesse. Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, gusanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros).

A horas mortas, eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e o abria a bel-prazer. Então anotava num Moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais.

Hoje sou surpreendido pelo anúncio desta nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus baús, espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Silepse

PASQUALE CIPRO NETO

"Vossa Excelência parece contrariado/a"


Em "Vossa Excelência parece contrariado", o adjetivo "contrariado" concorda com o sexo do ser representado
NA SEMANA passada, tratei de uma questão do último vestibular da PUC de São Paulo, em que se abordava o emprego da expressão "a gente" na letra de uma canção popular. No fim do texto, citei estes versos de Drummond: "Eu não devia te dizer / mas essa lua / mas esse conhaque / botam a gente comovido como o diabo".
Vimos que em "botam a gente comovido" ocorre uma concordância diferente da que pregam as regras gramaticais. O adjetivo "comovido", masculino, não concorda com o substantivo "gente", feminino, mas com o seu significado ou valor. Esse "a gente" está aí por "eu". Em casos como esse, a expressão "a gente" é definida como "a(s) pessoa(s) que fala(m)"; "eu", "nós" ("Aulete", versão eletrônica) ou como "a pessoa que fala em nome de si própria e de outro(s)"; "nós" ("Houaiss"). É bom lembrar que o nome desse fenômeno linguístico é "silepse" (concordância com a ideia, com o sentido mais próximo, e não com a forma).
Notou o que fez o "Houaiss" na definição de "a gente"? Vamos lá: que dizer da sequência "pessoa", "própria" e "outro(s)"? A forma "outros" não carece de explicação, já que pode muito bem ter o sentido de "as outras pessoas", mas e a forma "outro" ("a pessoa que fala em nome de si própria e de outro")? Não seria "outra"? Ou será esse outro caso de silepse? E, se for, a que termo se referirá a palavra masculina "outro"?
Que tal vermos os tipos de silepse? Como as concordâncias (verbal/nominal) podem envolver o gênero (masculino/feminino), o número (singular/plural) e a pessoa (primeira/segunda/terceira), são essas as classificações dos diversos tipos de silepse. Quando se diz, por exemplo, que "São Paulo é insuportavelmente suja e esburacada", com quem concordam os adjetivos "suja" e "esburacada", femininos? Com "São Paulo", que, ao pé da letra, é expressão masculina?
Certamente não. Esses adjetivos concordam com o sentido de "São Paulo" (a cidade de São Paulo).
O caso que acabamos de ver é de silepse de gênero, já que o que se trocou foi justamente o gênero (em vez do masculino, da expressão "São Paulo", empregou-se o feminino, em acordo com o sentido).
É nesse caso que se enquadra o título desta coluna. Em "Vossa Excelência parece contrariado", o adjetivo masculino "contrariado" não concorda com a forma feminina da expressão de tratamento "Vossa Excelência", mas com o sexo do ser representado (um deputado, senador, prefeito, governador, presidente etc.). Se a frase fosse dirigida a uma mulher, seria empregada a forma feminina ("contrariada").
Vejamos outro caso: "Os professores temos plena consciência de que...". Essa frase só pode ser dita por um... Por um professor, é claro.
Quando atuam como sujeito, formas como "os professores" costumam levar o verbo para a terceira pessoa do plural ("Os professores têm plena consciência de que...").
No exemplo visto, quebrou-se a "normalidade" com o emprego de "temos", da primeira do plural, que não concorda com "os professores", mas com "nós", forma presente no pensamento de quem emitiu a frase (obrigatoriamente um professor). A silepse agora é de pessoa, já que se trocou a terceira do plural ("eles") pela primeira ("nós").
Por fim, veja este exemplo: "Pediu à turma que não fizessem barulho". A quem se refere a forma verbal "fizessem"? Ao substantivo coletivo "turma", cuja forma é do singular? Não. A forma "fizessem" concorda com o significado da palavra "turma". O que há aí, portanto, é um caso de silepse de número, já que se trocou o singular (de "turma") pelo plural (de "alunos", "colegas", "companheiros"). É isso.

inculta@uol.com.br

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 22 de abril de 2010.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Língua - Revista Veja

Idioma

A multiplicação das palavras

Os vocábulos estrangeiros se incorporam ao português numa velocidade assombrosa, enriquecem a língua e levantam a discussão sobre adaptar ou não sua grafia

Nataly Costa

Thiago Prado Neri/Tv Globo
Letra por letra
Daniel (primeiro à esq. no trio ao centro da foto), no Caldeirão do Huck: traído pela palavra kirsch, recente no português


No sábado 10, o programa de TV Caldeirão do Huck exibiu a etapa final de um de seus quadros fixos, o Soletrando. Nele, estudantes de 5ª a 8ª série devem provar seus conhecimentos da língua portuguesa ao soletrar palavras sorteadas. O vencedor leva 100 000 reais. O estudante mineiro Daniel Coutinho, de 13 anos, perdeu o prêmio por pouco. Atrapalhou-se ao soletrar a palavra kirsch, nome de um tipo de aguardente à base de frutas. O termo é alemão, mas, por encontrar-se difundido entre os apreciadores de bebidas no Brasil, figura como verbete no Aurélio, dicionário da língua portuguesa que serve de base para a competição. O episódio ilustra uma mudança profunda ocorrida nos últimos tempos na forma de incorporação de palavras estrangeiras ao português falado no Brasil. Antes, os vocábulos estrangeiros só eram dicionarizados depois de ter seu uso consagrado entre os brasileiros por pelo menos uma década. Hoje, a população adota uma quantidade crescente de palavras estrangeiras – e os dicionários correm para transformá-las em verbetes, sob o risco de se tornarem obsoletos. Diz Valéria Zelik, editora do Aurélio: "O idioma já teve mais tempo para adquirir novas lexias. Atualmente, a velocidade das informações vindas de diversas áreas do conhecimento é algo impressionante, e elas trazem novos vocábulos".

Para se ter uma ideia da agilidade desse processo de transformação da língua, os editores dos dicionários Aurélio, Houaiss e Larousse usam um programa de computador desenvolvido para pesquisar continuamente palavras estrangeiras que aparecem nos jornais, revistas e sites brasileiros. Quando o uso de uma palavra se torna frequente, é sinal de que pode ser a hora de dicionarizá-la. A ideia de que é preciso aportuguesar os vocábulos estrangeiros, segundo os especialistas, está ultrapassada. O que determina o aportuguesamento ou não de palavras estrangeiras é a forma como a população se familiariza com elas. De acordo com a lexicógrafa Thereza Pozzoli, da equipe do dicionário Larousse, alguns vocábulos, graças à semelhança com a morfologia e a fonética brasileiras, são adaptados para o idioma com naturalidade. É o caso de blecaute, ateliê, quiosque e surfe. Outros termos mantêm a forma do idioma original, como marketing, design e réveillon. Há palavras aportuguesadas que figuram no dicionário, mas não vingam no dia a dia, como esqueite (skate) e leiaute (layout). "Nem sempre optamos pelo aportuguesamento, pois o uso do vocábulo em sua língua original se mostra preponderante", explica Renata Menezes, da equipe do Aurélio.

A multiplicação das palavras estrangeiras no português pode apavorar os puristas do idioma, como o deputado Aldo Rebelo, cuja luta para proibir os estrangeirismos no país já se tornou folclórica. Para estes, o exemplo a ser seguido é o de Portugal, que tenta traduzir tudo para a língua nativa – o mouse do computador, por exemplo, é chamado de rato. Os grandes linguistas brasileiros, contudo, concordam que os termos estrangeiros servem para enriquecer o idioma, não para prejudicá-lo. "Se o estrangeirismo fosse nocivo, a própria língua trataria de expulsá-lo", pondera o gramático Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras.

A história mostra que é da natureza dos idiomas incorporar vocábulos estrangeiros e que, nesse processo, eles evoluem. Na Idade Média, a língua portuguesa contava com apenas 15 000 palavras. Hoje, são mais de 400 000, muitas delas importadas, através dos séculos, do árabe, do italiano, do francês e do inglês. O linguista americano Noah Webster (1758-1843), considerado "o pai da educação" em seu país, costumava lembrar que o idioma vive e pulsa no dia a dia da população, e não nos gabinetes dos intelectuais. Dizia ele: "A língua não é uma construção abstrata dos sábios, ou dos dicionaristas. Ela nasce do trabalho, das necessidades, das relações humanas, das alegrias, afeições e experiências de muitas gerações". O termo alemão kirsch, que derrubou o estudante Daniel Coutinho na TV, poderá um dia soar natural para seus filhos.


Língua viva e veloz

No passado, os dicionaristas esperavam dez anos para verificar se uma palavra estrangeira fora adotada plenamente no país. Hoje, com a rapidez com que os estrangeirismos são incorporados ao português, esse prazo é de um ou dois anos. A seguir, vocábulos que serão incluídos na próxima edição do Dicionário Aurélio*


Tecnologia
Smartphone – Celular com alguns recursos de computador
Pop-up – Janela que se abre em página da internet para propaganda
MP3 – Forma de compactação de arquivos de áudio
Antispam – Programa que previne publicidade eletrônica não solicitada
Bluetooth – Tecnologia para conectar dispositivos sem o uso de cabo


Gastronomia
Blanquette– Guisado de carne branca
Chutney – Tipo de geleia de origem indiana
Muffin – Pão fofo doce assado em pequenas fôrmas
Sashimi – Prato da culinária japonesa que consiste em fatias de peixe cru
Bock – Tipo de cerveja adocicada e de teor alcoólico forte
Pierogi – Prato da culinária polonesa que consiste em pastéis cozidos
com diversos tipos de recheio


Comportamento/Esportes
Bullying – Violência psicológica ou física praticada repetidamente
Antidoping – Tipo de exame que busca identificar substâncias de uso proibido no sangue dos atletas
Barwoman – Mulher que prepara drinques profissionalmente
Off-road – Diz-se de veículo próprio para trafegar em terrenos acidentados
Brake-light – Luz de freio dos veículos


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Publicado na Revista Veja de 21 de abril de 2010, edição 2161

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Twitter chama a atenção de empresas

NEGÓCIOS >> Presença no microblog pode dobrar a quantidade de mensagens postadas sobre a marca no serviço, diz pesquisa

Reprodução

Tela de votação para escolher o sabor da nova pizza da Pizza Hut de Porto Alegre; as sugestões foram feitas por seguidores da marca no Twitter

DA REPORTAGEM LOCAL

A presença de uma empresa no Twitter é capaz de dobrar a quantidade de mensagens postadas sobre a marca no serviço de microblog. A conclusão é de uma pesquisa do iDigo (Núcleo de Inteligência Digital).
O estudo analisou 91.145 mensagens trocadas no microblog sobre 50 marcas de relevância nacional, de oito setores econômicos, durante o período de 20 de setembro a 24 de outubro de 2009.
Cláudio Torres, consultor em marketing digital que participou da pesquisa, diz que o aumento expressivo no número de internautas brasileiros contribui para que as empresas deem mais atenção às mídias sociais. "Eram cerca de 28, 29 milhões de internautas em 2007. Hoje em dia os últimos números já falam em mais de 67 milhões", diz.
Das 50 empresas pesquisadas, 42% têm perfil no Twitter e postam, em média, cinco mensagens por dia.
Embora as empresas que não têm Twitter também sejam citadas, o grupo que atua no microblog concentra 74% do volume total de mensagens trocadas sobre marcas no período.
Outros 11,2% das mensagens postadas que citam as empresas são retransmitidas a outros usuários. No setor de cosméticos, essa taxa chega a dobrar.

Sucesso
Algumas empresas entenderam o funcionamento das mídias sociais e fazem mais do que promoções ou divulgação de produtos e serviços.
No perfil da Sacks Perfumaria (@sacksperfumaria), cada seguidor representa uma doação de R$ 0,25 feita pela empresa para o Instituto Criar, dedicado à inserção de jovens de baixa renda no mercado de trabalho.
Outro exemplo é o perfil da Livraria Saraiva (@saraivaonline), que mantém um relacionamento bem pessoal no tom das respostas aos usuários, além de realizar concursos exclusivos para os usuários do microblog.
Em Porto Alegre, a rede Pizza Hut (@pizzahutpoa) abriu o perfil para sugestões de sabores de pizza enviados pelos seguidores.
"Recebemos 80 sugestões, numero que consideramos muito bom" diz a gerente de comunicação da empresa, Dana Chmelnitsky. "As cinco melhores foram escolhidas e colocadas em votação em nosso site". O prêmio para o ganhador será um jantar com 8 acompanhantes. (ALEXANDRE ORRICO)

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Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 14 de abril de 2010.